As discrasias plamocitárias são neoplasias monoclonais que tem origem em células progenitoras de linfócitos B, com características de proliferação incontrolada e produção de anticorpos com síntese esecreção de gama-globulinas (componente M ou Proteína M) e/ou subunidades polipeptídicas (Proteínas de Bence-Jones). Dentre as discrasias plasmocitárias, o MM é a patologia mais comum e é responsável por alta morbidade e mortalidade, com uma sobrevida média de 3 anos para pacientes que realizam o tratamento convencional e com um aumento de sobrevida significativo para 5 anos em pacientes submetidos às novas estratégias terapêuticas, como a terapia em altas doses e transplantes de células-tronco. A sobrevivência das células de MM, bem como a proliferação e resistência aos quimioterápicos convencionais são características destas células, as quais interagem significativamente com o microambiente tumoral.
A causa do MM ainda é desconhecida, acredita-se que ocorra um erro nos mecanismos de modificação do DNA de células B, como a translocação de genes de imunoglobulinas (IgH), hipermutação somática ou recombinação VDJ; essas translocações desregulam ou aumentam a expressão de oncogenes, tendo com resultado a formação de uma célula em estágio pré-plasmocitário que migra para a medula óssea, onde se fixa por meio de proteínas de adesão como as integrinas e se diferencia em plasmócitos malignos com longo tempo de vida que se expandem e se acumulam na medula. Estes plasmócitos malignos possuem uma relação de dependência com o estroma medular para seu desenvolvimento e sobrevivência. As células do MM secretam grande quantidade de fator de crescimento do endotélio vascular, que estimula as células do estroma a secretarem Interleucina-6 (IL-6); a IL-6, por sua vez, atua diretamente sobre as células do MM em um loop parácrino característico do MM. Há também um estímulo autócrino, sendo diretamente correlacionado ao grau de anaplasia do tumor, produzindo, principalmente, a IL-6. Esta interleucina é o principal fator envolvido nos eventos parácrinos e autócrinos, sendo essencial para a sobrevivência e o desenvolvimento tumoral.
Outra característica do MM que está relacionada com a malignidade, agressividade e resistência a quimioterápicos, é a resistência a morte celular programada, a apoptose. Pesquisadores demonstraram que o MM expressa altos níveis de genes anti-apoptose Bcl-2 e Mcl-1, este desequilibro entre genes pró-apoptose e anti-apoptose, envolvidos na morte programada da célula, gera as características de sobrevivência.
A doença óssea aflige cerca de 80% dos pacientes com MM, sendo a dor óssea, em especial na região torácica e dorsal, o principal sintoma e muitas vezes é responsável por o paciente procurar assistência médica e ser diagnosticado com MM. O comprometimento ósseo leva a osteoporose, lesões ósseas líticas e fraturas. Os locais mais atingidos são as vértebras, o crânio, as costelas, o quadril, úmero e fêmur. Devido à fragilidade óssea as fraturas são freqüentes, especialmente nas vértebras, levando a uma série de complicações como compressão medular, incapacidades motoras, deformações ósseas, anatômicas e dores crônicas.
Esses efeitos são decorrentes de interações no microambiente tumoral, levando a ativação exacerbada de osteoclástos com desequilíbrio nos processos de reabsorção e síntese óssea. Neste processo estão envolvidos as células do MM e do estroma medular que sintetizam e secretam fatores ativadores de osteoclástos (FAO), como interleucinas (1, 6, 7, 8 e 9), linfotoxinas, fator de necrose tumoral e proteína inflamatória de macrófagos (MIP-1a). Descobertas recentes identificaram importantes sinalizadores do processo de reabsorção óssea, como o ligante do receptor de ativação nuclear kappa B (RANKL) expressado por células do estroma e osteoblastos e seu receptor, o receptor de ativação nuclear kappa B (RANK), expressado na superfície de osteoclastos, e a osteoprotegerina (OPG), com funções de antagonizar o RANKL. Desse modo, a interação do RANKL com o RANK promove a ativação de osteoclástos e a interação da OPG com o RANK evita que esta ativação ocorra. Há fortes evidências mostrando que o principal mecanismo de controle da reabsorção óssea é o equilíbrio entre RANKL e a OPG, em que um aumento na expressão de RANKL e uma diminuição da OPG, como ocorre nos pacientes com MM, desencadearia o processo de reabsorção óssea. Além disso, os FAOs e outros fatores contrários a ação de osteoclastos parecem influenciar no equilíbrio entre RANKL e OPG. Outra proteína descoberta recentemente foi a dickkoppf 1 (DKKP1), uma proteína expressada na medula-óssea de osteoblastos, osteócitos, células do estroma e muito expressada em pacientes com MM, (DKKP1), mostrando-se envolvida com a inibição de osteoblastos.
Com o reconhecimento da dependência do microambiente tumoral envolvido na patogênese do MM, espera-se desenvolver terapias que atuem não apenas nas células tumorais, mas também modulando as interações com outras células do microambiente tumoral, inibindo fatores envolvidos na resistência das células do MM, melhorando a sobrevida e as comorbidades associadas ao MM, como a doença óssea.